por João Pede Feijão
Admiro com pesar os homens secundários. Chamo homens secundários aqueles que, como pássaros mães, mastigam pedras duríssimas e regurgitam gordurosa papa na boca de leitores debutantes. Conhecidos como críticos, comentadores, repetidores, todos esses leitores que dilatam os limites das grandes marteladas, chegando a fraqueza ultima da reverberação até que o silêncio arremate o estrago. Essa gente entreviu como Moisés por uma fresta a perigosa figura de deus, o perigoso caos, mas por covardia, ou por amor a sei lá, ou porque simplesmente é impossível justificar nossas escolhas, resolveram dedicar sua vida em costurar telas de proteção, inventar vacinas, antidepressivos… esses homens, eu admiro. Não consigo chegar em público e desqualificar essa casta de semi-desesperados. É como se dependêssemos deles para nos aproximar com cautela de gente perigosa como Nietzsche, Irigarai, Mozart, Tarcoviski, Rimbaud. Como se fossem minha garantia de retorno, minha coleção de Ariadnes enganadas. Tenho a impressão que o presente nos cunhou com excessiva covardia, de modo que me parece cada vez mais difícil ver surgir homens plenos de si; os que morrem muitas vezes. “Eu serei sempre o que não nasceu para isso”. O que isso faz de mim? Uma longínqua sombra, um conjunto de sensibilidades atrofiadas, um dependente e mais incompetente desesperado. Mas eu posso aprender, posso me tornar um legítimo repetidor, com publicações consideradas. Posso mergulhar na vida dos habitantes medievais e descrever os cheiros de vilarejos que jamais vi e verei, mas sou covarde demais pra respirar profundamente o odor dos córregos cadáveres da minha cidade, para encontrar ai razão verdadeira de desespero. Os barulhos, as expressões comuns são cada vez mais misteriosas enquanto mergulho em epopéias narradas por homens que morreram no fundo, no cerne dos abismos de seus tempos. Aprender nas estruturas, nas hierarquias primatas de nosso tempo nos transforma em nostálgicos e insensíveis, autômatos enciclopédicos, lamuriosos cagões. “a ciência serve para nos fazer trabalhar menos e comer mais”. “onde há gente há merda”. “nesta universidade não faltam banheiros”.
Em minha memória um quintal arde a merda, o cheiro mais indescritível que já senti. Adocicado, cítrico, amargo e travoso. E uma sinfonia de moscas agora se levanta enquanto um cão magro passa. Ah meus delírios. Minhas vergonhas. Minhas fraquezas.
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